Uma análise de Jó 1.6 e João 3.13

PR. ELIENAI CABRAL




Faz algum tempo que recebi a seguinte pergunta: “Qual a diferença entre a expressão bíblica do livro de Jó 1.6 - '...e num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor...” - e João 3.13, que diz que 'ninguém subiu ao céu', se em Romanos hão de comparecer ao Tribunal de Cristo?”.
Ora, quando Jó 1.6 diz que “os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor”, refere-se aos seres espirituais, ou seja, anjos, os quais são responsáveis diante de Deus e prestam-lhe contas. Uma vez que em Jó 2.1 está escrito que “Satanás veio entre eles apresentar-se diante de Deus”, subtende-se que mesmo os anjos rebeldes estão debaixo da soberania divina.
Nem toda vez que encontramos essa expressão "filhos de Deus" na Bíblia, especialmente no Antigo Testamento, ela está se referindo a anjos. Por isso, pelas regras mais simples da hermenêutica, devemos sempre recorrer ao contexto daquela expressão. Algumas vezes, a expressão refere-se aos filhos de Israel que representavam o povo de Deus na terra. Já em Gênesis 6, a expressão “filhos de Deus” refere-se a uma geração especial da linhagem de Sete, uma geração que temia e servia a Deus. O que favorece essa ideia é a doutrina bíblica acerca dos anjos que, no seu ensino geral, rejeita qualquer tipo de miscigenação de anjos com seres humanos. A Bíblia - aliás, o próprio Jesus - declara que os anjos não se casam nem se dão em casamento (Mt 22.30; Lc 20.36). Eles são criaturas puramente espirituais e, por isso, não foram dotadas de sexualidade. São seres assexuais, isto é, não geram outros seres. A Bíblia também diz que os crentes em Cristo são feitos “filhos de Deus” ao aceitarem o Evangelho e serem regeneradas pelo Espírito Santo (Jo 1.12; Rm 8.16;Gl 3.26; Fp 2.15). Ora, uma vez que a expressão “filhos de Deus” não se restringe apenas aos anjos e que o contexto histórico de Gênesis 6 fala de relações físicas, podemos entender que aqueles “filhos de Deus” são, na verdade, filhos dos homens, nascidos de mulher, que perderam a pureza primária e se degeneraram.

Quanto à relação entre os textos de Jó 1.6  e João 3.13: no primeiro texto, “os filhos de Deus” (anjos) comparecem diante de Deus e no segundo texto (Jo 3.13), Jesus declara que “ninguém subiu ao céu”. Em primeiro lugar, não há qualquer relação entre as expressões, porque Jesus estava falando ao povo, feito de carne e osso. Naturalmente, “carne e osso” jamais tiveram acesso às dimensões espirituais. Paulo declarou que “carne e osso” não herdam o Reino de Deus (1Co 15.50). Não há relação alguma entre os filhos de Deus de Jó 1.6 com os salvos em Cristo que comparecerão um dia no “Tribunal de Cristo” (2Co 5.10). Nesse Tribunal, somente os transformados do material para o espiritual estarão na presença de Cristo para receberem seus galardões pelas obras feitas através do corpo aqui na Terra. Outrossim, os filhos de Deus que comparecerem diante de Deus  no céu eram, sem dúvida, os anjos criados por Deus, os quais sempre tiveram acesso ao Trono de Deus. Entre esses filhos de Deus apareceu num dia Satanás, o anjo rebelde, o qual, inevitavelmente, está sob o poder soberano do Criador. Satanás, tanto quanto os demais anjos, são seres espirituais, por isso somente seres espirituais tem acesso ao céu.

Romanos 14.10 diz que “todos havemos de comparecer ante o Tribunal de Cristo”. O termo “todos” tem um caráter especial e particular porque se refere apenas aos salvos, arrebatados ou ressuscitados na Vinda de Cristo (1Co 15.51,52; 1Ts 4.13-18). Na Escatologia Bíblica, o Tribunal de Cristo e o Tribunal do “Grande Trono Branco” (Ap 20.11,12) são tribunais distintos no tempo e no espaço. O grande comparecimento dos salvos diante do Tribunal de Cristo acontecerá muito antes do último grande julgamento histórico, que é o Tribunal do Trono Branco, Trono do Juízo final, quando todas as criaturas que não passaram pelo Tribunal de Cristo hão de comparecer (Ap 20.12-14).


Outrossim, o texto de Romanos 14.10 tem no seu contexto a discussão sobre o comportamento social entre os cristãos, quando alguns tinham atitudes arrogantes, depreciativas e discriminatórias em relação aos outros irmãos da mesma fé. Paulo desfaz essa discussão e fortalece o fato de que todos, fracos e fortes, hão de comparecer ante o Tribunal de Cristo para que suas obras feitas através do corpo sejam julgadas. Nesse Tribunal, não há condenação, somente premiação pelas obras feitas.


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