Por que a Doutrina do Amor de Deus Deve Ser Julgada Difícil - Extraído do livro "A Difícil Doutrina do Amor de Deus"

DISTORCENDO O  AMOR DE DEUS

            Sabendo o título desta obra, "A Difícil Doutrina do Amor de Deus", você bem poderá ser perdoado por pensar que o palestrante W. H. Griffith Thomas, de 1998, perdeu o bom senso. Se ele tivesse escolhido falar sobre "A Difícil Doutrina da Trindade", ou "A Difícil Doutrina da Predestinação", pelo menos o seu título teria sido coerente.
            Mas será que a doutrina do amor de Deus não é, digamos, fácil se comparada a estes ensinos profundos e, em parte, misteriosos?

A. Por que a Doutrina do Amor de Deus Deve Ser Julgada Difícil
Há pelo menos cinco razões.
            (1) Se as pessoas crêem em Deus hoje, a maioria esmagadora defende que este Deus é um ser amoroso. Mas é isto que torna a tarefa do testemunho cristão tão desanimadora, simplesmente porque esta crença amplamente disseminada no amor de Deus é estabelecida com uma freqüência crescente em algum molde que não é a teologia bíblica. O resultado é que quando cristãos instruídos falam sobre o amor de Deus, eles querem dizer algo muito diferente do que pretende a cultura circundante. Pior, nenhum dos dois lados pode perceber que este é o caso.
            Considere alguns produtos recentes da indústria do cinema, preservados no celulóide e como moldam a cultura ocidental. Para os nossos propósitos, os filmes de ficção científica
podem ser divididos em dois tipos. Talvez os mais populares sejam os do tipo barulhento e violento, tais como Independence Day, ou as quatro partes da série Alien, repletos de males repulsivos. Obviamente os alienígenas têm de ser maus, ou não haveria nenhuma ameaça, e, portanto, nenhum objetivo nem diversão. Raramente estes filmes se propõem a transmitir uma mensagem cosmológica, e muito menos uma mensagem espiritual.
            O outro tipo de filme nesta classe que tenta transmitir uma mensagem, mesmo enquanto procura divertir, quase sempre retrata o poder final da benevolência. Na margem
entre os dois tipos de filmes está a série Guerra nas Estrelas, como o seu tratamento da "Força" moralmente ambígua.
Mas, mesmo esta série pende na direção da presunção dè uma vitória final do lado da "luz", da "Força". ET, como Roy Anker definiu, é "um conto da encarnação de coração ardente que culmina na ressurreição e na ascensão".1 E agora no filme Contact de Jodie Foster, a inteligência não explicada é inundada de amor, sabiamente previdente, gentilmente
espantosa.
            O próprio Anker pensa que esta "dissimulação", como ele chama a isto, é uma grande ajuda à causa cristã. Como os escritos de J. R. R. Tolkien e C. S. Lewis, estes filmes ajudam as pessoas indiretamente a apreciar a bondade e o amor absoluto de Deus. Sou bem menos otimista. Tolkien e Lewis ainda viveram em um mundo moldado pela herança judaico-
cristã. Embora muitos dos seus leitores não fossem cristãos em nenhum sentido e, muito menos no bíblico, a "dissimulação" deles foi lida por outros na cultura que também
havia sido moldada por esta herança.
            Mas o ponto de vista de Contacta monístico, naturalista e pluralista (afinal, o filme foi dedicado a Cari Sagan). Ele tem muito mais ligações com a Nova Era e o otimismo
panglossiano do que com qualquer outra coisa essencial.
De repente a doutrina cristã do amor de Deus se torna muito difícil, porque toda a estrutura na qual ela está estabelecida nas Escrituras foi substituída.
            (2) Para colocar isto de outra forma, vivemos em uma cultura na qual muitas outras verdades contemporâneas a respeito de Deus são amplamente acreditadas. Realmente
não acho que os argumentos bíblicos sobre o amor de Deus possam sobreviver muito tempo "no front" do nosso raciocínio, se for abstraído da soberania, da santidade, da ira, da providência ou da personalidade de Deus, para mencionar apenas alguns elementos não-negociáveis do cristianismo básico.
            O resultado, naturalmente, é que o amor de Deus, em nossa cultura, tem sido expurgado de tudo o que ela considere desconfortável. O amor de Deus tem sido equilibrado, democratizado, e acima de tudo, sentimentalizado. Este processo tem se desenvolvido por algum tempo. A minha geração foi ensinada a cantar, "O que o mundo precisa agora é amor, doce amor", no qual nós fortemente informamos ao Todo-Poderoso que não precisamos de uma outra montanha (já temos muitas), mas que seria bom mais um pouco de amor. A arrogância é espantosa.

            Nem sempre foi assim. Nas gerações em que quase todos  criam na justiça de Deus, as pessoas às vezes achavam difícil crer no amor de Deus. A pregação do amor de Deus
veio como maravilhosa boas novas. Hoje em dia, se você disser às pessoas que Deus as ama, provavelmente elas  não ficarão surpresas. Naturalmente, Deus me ama; Ele é assim, não é? Além disso, por que Ele não iria me amar?
Eu sou bonitinho, ou pelo menos tão simpático quanto o meu próximo. Eu estou bem, você está bem, e Deus ama a você e a mim.
            Mesmo nos anos 80, de acordo com Andrew Greeley, três quartos daqueles que responderam a uma importante pesquisa sua, relataram que preferiam pensar em Deus como um "amigo" do que como um "rei".2 Eu gostaria de saber qual teria sido a porcentagem se a opção tivesse sido "amigo" ou "juiz". Hoje, a maioria das pessoas parece ter pouca dificuldade para acreditar no amor de Deus; elas têm muito mais dificuldade em acreditar na justiça e na ira de Deus, e na veracidade não-contraditória de um Deus onisciente.
Mas o ensino bíblico sobre o amor de Deus está mantendo a sua forma quando o significado de "Deus" se dissipa em uma névoa?
            Não devemos pensar que os cristãos são imunes a estas influências. Em um livro importante, Marsha Witten faz uma pesquisa sobre o que está sendo pregado no púlpito protestante.
3 Vamos admitir as limitações de seu estudo. Sua coleção de sermões foi reunida, por um lado, da Igreja Presbiteriana (nos Estados Unidos), dificilmente o baluarte do evangelicalismo confessional; e, por outro, das igrejas pertencentes à Convenção Batista do Sul. Admiravelmente, em muitas das questões cruciais, houve apenas uma diferença
estatística marginal entre estas duas heranças eclesiásticas.
Uma limitação mais significativa era que todos os sermões que ela estudou enfocavam a parábola do filho pródigo (Lc 15.11-32). Isto significa que os sermões estão fadados a se inclinar numa direção predeterminada.
            Entretanto, seu livro está repleto de longas citações destes sermões, e eles são imensamente problemáticos. Há uma tendência poderosa de "apresentar Deus através de caracterizações de seu estado interior, com uma ênfase em suas emoções, que lembram muito as dos seres humanos... É mais provável que Deus 'sinta' do que 'aja', que 'pense' do que 'diga'".4Ou novamente:
            A noção relativamente fraca das capacidades temerosas de Deus com relação ao juízo é sublinhada por uma falta quase completa de construção discursiva de ansiedade em torno do estado futuro de alguém.
Como já vimos, os sermões dramatizam sentimentos de ansiedade de ouvintes sobre muitos outros aspectos (este, mundano) de seu afastamento de Deus, estejam eles discutindo o vocabulário do pecado ou em outras formulações. Mas mesmo quando se refere diretamente aos não-convertidos, apenas dois sermões insistem no temor do juízo de Deus retratando a ansiedade sobre a salvação, e cada texto faz isto apenas obliquamente, quando explica indiretamente outras questões que estão em seu caminho,
enquanto protege a platéia de sentimentos negativos... O Deus transcendente, majestoso e espantoso de Lutero e Calvino cuja imagem informada pelas primeiras visões protestantes do relacionamento entre os seres humanos e o divino sofreu uma suavização de conduta através das experiências americanas do protestantismo, com apenas exceções menores... Muitos dos sermões retratam um Deus cujo comportamento é regular, padronizado, e previsível;
Ele é retratado em termos da consistência de seu comportamento, da conformidade de suas ações para a singular lei de "amor".5
            Com este sentimentalismo de Deus se multiplicando nas igrejas protestantes, não é necessário muito para ver como pode ser difícil manter uma doutrina bíblica do amor de Deus.
            (3) Alguns elementos dos padrões maiores e que ainda se desenvolvem no pós-modernismo, atuam no problema com o qual estamos lidando. Por causa de mudanças extraordinárias na epistemologia do Ocidente, mais e mais pessoas acreditam que a única heresia que sobrou é a opinião de que a heresia existe. Elas defendem que todas as religiões são fundamentalmente a mesma e que, portanto, não só é rude, mas profundamente ignorante e antiquado tentar ganhar alguém para as suas crenças, uma vez que implicitamente está se dizendo que as crenças das outras pessoas são inferiores.6
            Esta postura, alimentada no Ocidente, agora alcança muitas partes do mundo. Por exemplo, em um livro recente, Caleb Oluremi Oladipo descreve em linhas gerais O Desenvolvimento da Doutrina do Espirito Santo no Movimento da Igreja Indígena Yoruba (Africana)? A sua preocupação é mostrar a interação entre as crenças cristãs e a religião tradicional Yoruba na igreja indígena. Após estabelecer "duas perspectivas distintas" que
não precisam nos deter aqui, Oladipo escreve:
            Estas duas perspectivas paradigmáticas [sic\ no livro estão baseadas em uma afirmação fundamental de que a natureza de Deus é um amor universal. Esta afirmação pressupõe que embora os missionários ocidentais afirmassem que a natureza de Deus é o amor universal, a maioria dos missionários tem negado a salvação a várias porções da população mundial, e na maioria dos casos eles o fizeram indiscriminadamente. O livro aponta as incoerências deste ponto de vista, e tenta trazer coerência entre o cristianismo e as outras religiões em geral, e a Religião Tradicional Yoruba em particular.8
            Em resumo, a maré cultural mais energética o pós-modernismo reforça poderosamente as opiniões mais sentimentais, sincretistas e freqüentemente pluralistas do amor de Deus, sem nenhuma outra base de autoridade do que a própria epistemologia pós-moderna. Mas isto faz da articulação de uma doutrina bíblica de Deus e de uma doutrina
bíblica do amor de Deus, um desafio extraordinariamente difícil.
            (4) As três primeiras dificuldades surgem de desenvolvimentos culturais que fazem do entendimento e da articulação da doutrina do amor de Deus um desafio considerável.
Este quarto elemento é, em certos aspectos, mais fundamental.
Na pressa cultural em direção a uma visão sentimentalista e, às vezes, até mesmo não-teísta do amor de Deus, nós cristãos temos sido varridos a ponto de termos esquecido que dentro do confessionalismo cristão a doutrina do amor de Deus apresenta as suas dificuldades. Este lado de duas guerras mundiais; genocídio na Rússia, China, Alemanha e África; fome em massa; Hitler e Pol Pot; corrupções distintas intermináveis em casa e no exterior tudo neste século, impõe a pergunta, o amor de Deus é uma doutrina óbvia? Naturalmente que isto está levantando as dificuldades de um ponto de vista experimental. Pode-se fazer a mesma coisa a partir da perspectiva da teologia sistemática. Como se integra, precisamente, o que a Bíblia diz sobre o amor de Deus com o que a Bíblia diz sobre a soberania de Deus, estendendo-se até mesmo sobre o domínio da morte? O que o amor significa em um Ser a quem, pelo menos, em alguns textos tratam como impassível?
Como o amor de Deus está ligado à sua justiça?
            Em outras palavras, um dos resultados mais perigosos do impacto das versões sentimentalizadas contemporâneas de amor na igreja, é a nossa incapacidade comum de pensar através das perguntas fundamentais que, sozinhas, nos permitem manter uma doutrina de Deus em proporção e equilíbrio bíblicos. Embora uma tarefa possa ser gloriosa e privilegiada, nenhuma é fácil. Estamos lidando com Deus, e reducionismos insensatos estão fadados a serem distorcidos e perigosos.

            (5) Finalmente, a doutrina do amor de Deus é, às vezes, retratada dentro dos círculos cristãos como muito mais fácil e mais óbvia do que realmente é; e isto é alcançado à custa de se fazer "vistas grossas" a algumas das distinções que a Bíblia apresenta quando retrata o amor de Deus. Isto é tão importante que se toma o meu próximo ponto principal.

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