Cremos na Verdade

         
A Igreja deve demonstrar para seus adolescentes que a doutrina cristã não é algo que teve validade apenas para a sociedade do século I, mas que é válida para todos os homens de todos as gerações  .

        A Era pós-moderna é caracterizada por um crescente relativismo. Para muitos a verdade é apenas um conceito que varia de acordo com paradigmas pessoalmente estabelecidos, estando assim sujeita a vários fatores como cultura, religião, opção sexual, pen- sarnento político, dentre outros. Não existe assim uma verdade universal que tenha validade para todos os povos em todos os tempos. Os valores morais e éticos do passado, muitas vezes são considerados ultrapassados para uma sociedade em constante mudança.

     A adolescência é um período de afirmação, no qual o ser humano busca um espaço na sociedade a sua volta. É uma fase de transição, que ocorre de forma \cada vez mais precoce, onde a infância é deixada para trás e o mundo adulto é apresentado, novos direitos são desfrutados, mas novos deveres e responsabilidade são exigidos.

     Por este motivo o adolescente, por buscar uma inserção em um grupo social, acaba se tornando suscetível a influência de uma sociedade cada vez mais afastada dos valores e da moral cristã. Então como proteger a sua mente de influências erradas? Como ensinar que a verdade não é algo fragmentado, com a sociedade hodierna ensina, mas que existe apenas uma e seu valor é universal?

     Somente através do ensino sistemático da Palavra de Deus é que conseguiremos protegê-los dos constantes ataques sofridos por sua mente. Não é necessário isolá-los de tudo e de todos, pois, como igreja, também foram chamados por Deus para influenciar positiva- mente a sua geração.

     Devem compreender que a verdade é a Palavra de Deus (Jo 17.17), para tanto cabe a Igreja, em es- pedal ao professor de EBD, ensinar, de maneira clara e objetiva os fundamentos de nossa fé. Esta tática não é nenhuma novidade na história eclesiástica, pois na Igreja Primitiva, os catecúmenos decoravam o "credo apostólico" para se proteger dos constantes ataques do gnosticismo que se espalhava ao seu redor. Nossos adolescentes devem estar preparados para da- rem, quando solicitados, a razão de sua fé (1 Pe 3.15).
A Igreja deve demonstrar para seus adolescentes que a doutrina cristã não é algo que teve validade apenas para a sociedade do século I, mas que é válida para todos os homens de todas as gerações. Não é apenas uma superstição irracional que deve ser superada, como afirmam os críticos da fé, mas, cremos que fé e razão se complementam. Em um mundo onde tantos caminhos são apresentados como verdadeiros e agradáveis, mas que no fim levam a destruição (Pv 14.12) devemos ensinar que Jesus Cristo é o verdadeiro caminho que traz vida (Jo 14.6), e vida em abundância (Jo 10.10).
     Aquele que milita no ensino cristão somente pode se satisfazer quando seus alunos entendem e têm pleno conhecimento dos rudimentos de sua fé. Nada menos do que isto é permitido!

Pois vivemos em uma sociedade doente, que sem saber está aprisionada em seus vícios e delitos. Somente o conhecimento da verdade liberta (Jo 8.32). En- tão devemos nos aprofundar em conhecer esta verdade, que é a Palavra de Deus, somente assim teremos uma íntima comunhão com o Senhor Jesus Cristo.

FONTE DO ARQUIVO: REVISTA ENSINADOR CRISTÃO Nº 69
Por SéRGio de Moura Sodró

"ARTIGO JOVENS" A Igreja de Jesus Sua origem, doutrina, ordenanças e destino eterno


     Neste trimestre de 2017, estaremos tratando, na revista de Jovens de Escola Dominical da CPAD, sobre "A Igreja de Jesus Cristo: sua origem, doutrina, ordenanças, missão e destino eterno". O tema é bastante pertinente, uma vez que estamos vivendo em nossos dias o fenômeno dos "evangélicos desigrejados".

     Segundo os dados do IBGE de 2010, esse grupo já é o segundo maior do país. Muita gente diz crer em Deus, em Jesus Cristo, mas não quer mais saber da igreja como instituição. Os motivos são os mais variados, porém a igreja não é uma instituição qualquer. Ela não é uma invenção humana, não tendo sido fundada por nenhum pastor, embora homens escolhidos por Deus venham dirigi-la. Deus é o seu único dono e Senhor.

     Nesse prisma, falaremos, nos primeiros 13 domingos deste ano, sobre a origem e desenvolvimento da Igreja, o real propósito da Igreja, a organização da Igreja, o Ministério da Igreja, as Ordenanças da Igreja, o sustento da Igreja, a Igreja na Reforma Protestante, a Igreja e os dons espirituais, a missão ensinadora da Igreja, a missão social da Igreja, a Igreja e a política, a Igreja e a salvação dos perdidos, e o que posso fazer por minha igreja.

     O grande motivo pelo qual devemos estudar sobre a Igreja é que ela foi fundada pelo Senhor Jesus Cristo para expandir o Reino de Deus na Terra. Todo o Novo Testa- mento destaca a Igreja: os quatro evangelhos mostram o fundador da Igreja, Jesus Cristo; Atos mostra como a Igreja nasceu e como foi se desenvolvendo; as Cartas Paulinas foram escritas a igrejas locais e as pastorais, a pastores de igrejas; as Cartas i Gerais também foram escritas às igrejas; e o Apocalipse apresenta igrejas recebendo orientações de Jesus. Temos, portanto, um excelente e farto material bíblico escrito a respeito da Igreja de Jesus Cristo. Isso deve chamar a nossa atenção para a importância da Eclesiologia (Doutrina da Igreja), pois a Bíblia confere muito valor a ela. Além do mais, fazemos parte da Igreja. Logo, estudar a doutrina da Igreja é tão importante quanto estudar e conhecer as demais doutrinas bíblicas, pois nós participamos fisicamente dessa doutrina e dessa instituição.

     Jesus é o fundamento da Igreja (At 4.11; Ef 2.20; 1Co 3.11; 10.4). Sem uma base sólida, nenhuma instituição ou construção consegue se manter de pé. Por isso, o fundamento é tão importante. Outro ponto importante é o propósito. Toda instituição precisa ter propósitos bem definidos. A Igreja, como instituição fundada por Deus, tem como seus desígnios a adoração, a edificação dos crentes e a evangelização.

     Toda instituição precisa também ser organizada, e o mesmo ocorre com a igreja local. Uma igreja deve ser organizada para receber bem seus membros e visitantes, e ter pessoas responsáveis atuando nos diversos ministérios e departamentos. Uma igreja desorganizada não reflete a perfeição do Evangelho. A Igreja do Senhor precisa ter dirigentes que a conduzam e apascentem, pessoas que entendam que a Igreja de Cristo foi fruto do amor de Cristo, demonstrado no alto preço que pagou por todos nós que o recebemos como Salvador (At 20.28).
     Quando falamos de Igreja, estamos falando também de ministério ou serviço, porque ministrar, no contexto bíblico, é servir. Aquele que ministra o faz porque é servo de Deus em primeiro lugar, e servo de seus irmãos, pois assim foi comissionado por Deus. Outro tema importante relacionado à Igreja são as ordenanças. A expressão "ordenanças" traz a ideia de um grupo de mandamentos específicos, que devem ser repetidos reiteradas vezes. No caso das ordenanças de Jesus, as quais são o Batismo e a Santa Ceia, estas devem ser repetidas sempre, para que o povo de Deus, a Igreja, se lembre não apenas do sacrifício de Cristo, mas igualmente do seu efeito dele para conosco. Ordenanças, no caso do batismo e da Santa Ceia, são rituais que exemplificam para a Igreja os últimos momentos de Jesus com seus discípulos e a ressurreição de nosso Senhor. Jesus deixou claro que seus discípulos deveriam ensinar, batizar e celebrar a Ceia do Senhor (Mt 22.29; 28.18).

     O sustento da igreja também é importante. Dinheiro é um assunto espiritual. Saber lidar com ele exige sabedoria, e não são poucos os filhos de Deus que tem dificuldades na área financeira. Contribuição financeira na igreja , seja dízimo, sejam ofertas, sempre trazem questionamentos, ainda mais em nossos dias, quando vemos algumas igrejas fazendo apelos quase que extorsivos para que as pessoas entreguem tudo o que têm a fim de serem abençoadas por Deus. Entretanto, devemos olhar para o que a Bíblia diz sobre o assunto. Segundo as Escrituras, dinheiro e finanças são assuntos espirituais, pois mostram a quem realmente servimos: se a Deus, ou a Mamom. Devemos contribuir movidos pela gratidão a Deus e a generosidade para com sua casa, e sabendo que nossa contribuição ajudará no sustento da igreja local e na expansão do Reino de Deus.

     Nos primeiros três séculos da era cristã, enquanto a igreja não tinha vínculos com o Estado e mantinha sua independência, foi perseguida, rechaçada e alvo de muitas críticas. Nessa época, ela lutou internamente contra diversas heresias e sistematizou uma série de doutrinas. Porém, na medida em que Estado e Igreja foram se aproximando, houve mudanças que fizeram com que a igreja abandonasse a doutrina dos apóstolos. Os ensinos de Jesus e a fé genuína em Deus e no Salvador foram, em muitos pontos, deixados de lado. Tivemos avanços nesse período, como a inicial bonança, pois a igreja não era mais perseguida e seus verdadeiros membros não eram mais mal vistos pela sociedade; com Jerônimo completando a tradução da Bíblia para o latim; e com muitas pessoas passando a professar a fé cristã. Mas, a aproximação entre igreja e Estado cobrou seu preço.

     Foi notório que a igreja daqueles dias precisava de mudanças drásticas, pois não representava mais o verdadeiro Evangelho. A igreja estava realmente distante de sua vocação de agência do Reino de Deus. Era necessário que passasse por um movimento de transformação que resgatasse os princípios da Igreja Primitiva, que valorizasse as Escrituras em detrimento da tradição, e que se abstivesse da busca pelo poder terreno. A Reforma Protestante ocorre com essa intenção.
Outro tema de destaque sobre a vida da igreja são os dons espirituais. Esse assunto tem sido alvo de debates principalmente nos últimos 100 anos, por ocasião do surgimento do Movimento Pentecostal Moderno.

     Dons espirituais são poderes ou capacitações sobrenaturais dados pelo Espírito Santo a pessoas em sua Igreja. Não são talentos naturais, aprendidos ou aperfeiçoados pelo uso de técnicas humanas. Essas dotações são divididas entre o povo de Deus pela escolha do Espírito Santo, que age "repartindo particularmente a cada um como quer" (1Co 12.11). Eles não são um sinal de superioridade espiritual. Os dons dados por Deus'não se baseiam em um grau d« santidade adquirido por um crente, e sim na própria vontade de Deus em fazer daquela pessoa alguém que vai ser usada para determinada atuação dentro do Corpo de Cristo, na igreja local.

     A missão da igreja envolve também o social, mas ela é principalmente espiritual, com foco na salvação do perdido. A salvação dos perdidos é obra do Espírito Santo. É Ele que convence o homem de seus pecados e do perdão oferecido por meio do sacrifício de Jesus. A igreja colabora com o Reino de Deus apresentando a mensagem da salvação a todas as pessoas, para que tenham chance de ouvir o evangelho e decidir entre aceitar ou rejeitar a salvação oferecida, fazendo-os entender também as consequências dessa aceitação ou rejeição. Essa é uma missão urgente para o povo de Deus, pois ninguém é salvo sozinho. A ordem de Jesus é que transmitamos a todos, indistintamente, a mensagem a salvação.

     Há pessoas que por terem passado por alguma experiência negativa na igreja local estão a denegrir a imagem e a concepção da Igreja. Muitos dizem que amam a Jesus, mas não gostam da igreja. Essa é uma frase que vem sendo constantemente pronunciada por muitos que estão feridos e magoados com algum crente ou líderes. Só que se amarmos o Noivo, não podemos deixar de amar a sua Noiva. Deus vê a Igreja como a Noiva de Cristo. Não é possível dizer que amo a Jesus e não tolerar a Igreja, pois o destino final da Igreja é estar com Jesus na eternidade.

     Eu e você somos parte de um corpo, a igreja local. E por que ela é tão importante para o nosso crescimento e comunhão? Porque cada igreja local é uma pequena representação do Reino de Deus. Sejamos, cada um de nós, agentes desse Reino, vivendo em unidade e comunhão com Cristo e uns com os outros.

Fonte do Arquivo: Ensinador Cristão nº 69
Por: Alexandre Coelho

(Subsídio Teológico Lição 5/ 2º Trim 2017) JACÓ: UM EXEMPLO DE UM CARÁTER RESTAURADO



         A família de Abraão destaca-se na Bíblia desde que o patriarca foi chamado por Deus para uma grande missão. Ele vivia em Ur, na Caldeia, juntamente com seu pai, Tera. Dali, saiu de Ur, na Caldeia, e foi para Harã, já na terra de Canaã com sua família (Gn 11.31). Em Harã, Abrão ouviu o chamado de Deus para sua vida para que deixasse sua parentela e fosse para uma terra que ele não conhecia (Gn 12.1-3). Aos 75 anos, Abrão saiu com Sarai, sua esposa, e também com Ló, seu sobrinho, atendendo ao chamado de Deus, e foi estabelecer-se em Canaã. Como vimos no capítulo anterior, Abraão, quando tinha 100 anos de idade, foi pai de Isaque, e Sara, a esposa de Abraão, tinha 90 anos. Isaque seguiu os passos do pai e habitou em Gerar, na terra dos filisteus. Seus filhos nasceram gêmeos. Esaú, o primogênito, tinha índole e caráter completamente diferentes de Jacó, o mais novo. Não se sabe quase nada sobre a infância do primogênito de Isaque.
Esaú tinha uma inclinação para o campo, para a vida pastoril e também para a caça. Ele gostava de viver nas planícies, nos montes e nos vales que havia na sua terra. Jacó, ao contrário, pelo seu temperamento e também por sua personalidade, voltou-se para a vida doméstica. Ele já gostava mais de estar ao lado dos seus pais, ajudando nos afazeres do lar e apreciando a confecção de alimentos e refeições.

         Um episódio que marcou para sempre a vida dos dois irmãos ocorreu quando, em um determinado dia, Esaú chegou da sua jornada, cansado e faminto, e encontrou Jacó, seu irmão, que preparara uma sopa de lentilhas que exalava um cheiro agradável, despertando ainda mais a fome de Esaú. Naquela ocasião, Esaú fez um pedido a Jacó, dizendo: “Dá-me da tua sopa, pois estou com muita fome”.

         Jacó não perdeu tempo. Usando de esperteza e astúcia, disse para o seu irmão: “Eu lhe dou a minha sopa se você me vender o seu direito de primogenitura. Naquele momento, Esaú disse: “De que me serve o direito de primogenitura se, no momento, estou com fome”. E ele trocou seu precioso direito por um prato de lentilhas. Aí, podemos ver duas atitudes que demonstram o caráter respectivo dos dois irmãos. De um lado, vemos Jacó usando de esperteza e ambição. De outro, vemos Esaú desprezando o precioso direito de primogenitura.

         Jacó poderia ter compartilhado da sua sopa com seu irmão, que estava faminto e cansado, mas não fez isso. Ele aproveitou-se da ocasião para obter um direito que, pela Lei, não era dele, querendo, de fato, usurpar o direito de primogenitura do seu irmão. Por outro lado, vemos Esaú, um homem que não dava valor à bênção de ser o filho mais velho. Ele nem ao menos considerou o valor de ser o primogênito diante de Deus, da família e do seu povo. De uma maneira muito irresponsável, ele trocou seu direito de primogenitura por um prato de lentilhas, e isso acabou custando muito caro.

         Dessa forma, os dois irmãos tinham temperamentos e personalidades bem diferentes. Noutra ocasião, Isaque, já bastante idoso, resolveu determinar uma benção de Deus sobre a vida de Esaú, o seu primogênito. Fazia parte da história e da tradição do povo hebreu do Antigo testamento o primogênito ter seus direitos dobrados com relação à partilha da herança. E Isaque quis, além desse direito natural, ministrar, pela fé em Deus, uma benção especial sobre seu filho primogênito. Ele, porém, foi surpreendido pela astúcia da própria esposa, que induzira seu filho a enganar seu pai e apropriar-se da bênção de Isaque. As consequências nãoforam nada desejáveis. Sentindo-se traído, Esaú quis matar Jacó, que teve que fugir do seu irmão. Diante de todos esses fatos, Jacó demonstrava que tinha um caráter prejudicado por falhas de sua personalidade. Ele precisava ser restaurado.

I - JACÓ: QUEM ERA ELE?
         O caráter de Jacó foi moldado pela direção de Deus como parte da bênção divina sobre Abraão, seu avô, e sobre Isaque, seu pai. Ele, no entanto, também teve marcante influência de sua criação familiar, especialmente por parte de sua mãe.

1. O Filho mais Novo de Isaque
         Ele integra a lista dos três patriarcas hebreus que marcaram a história de Israel: Abraão, Isaque e Jacó. Sua história foi pontilhada de episódios dramáticos desde o seu nascimento. Isaque e Rebeca oraram a Deus para que pudessem ter filhos, pois ela era estéril, e Deus ouviu suas orações (Gn 25.20,21). Quando Isaque tinha 60 anos, o casal teve dois filhos gêmeos como resposta de Deus. O texto diz que havia, no ventre, uma luta entre os bebês (Gn 25.22). Em oração, Deus revelou que, no ventre da mãe, havia duas nações (v. 23). Um fato profético que se cumpriu plenamente. A nação de Jacó sempre viveu em confronto com a nação descendente de Esaú.

         Se os meninos lutavam no ventre ao nascer, houve disputa para ver quem sairia primeiro. Esaú nasceu primeiro, peludo e ruivo. Essa é a razão do seu nome, que tem o significado de vermelho, ou Edom (v. 25). O segundo recebeu o nome de Jacó, que, em hebraico, é YaaKov, que significa “Deus protege”, o sentido primeiro e original do nome. Esaú foi o primogênito por uma questão de poucos minutos ou de segundos na hora do parto. Segundo o relato bíblico de Gênesis 25.26, Jacó nasceu agarrado ao calcanhar do seu irmão. Por causa disso, o seu nome passou a ter o significado de “aquele que segura pelo calcanhar” ou “suplantador”.

2. O Preferido de sua Mãe
         Isaque tinha preferência por Esaú porque gostava da caça, e Rebeca amava mais a Jacó por ser “varão simples, habitando em tendas” (v. 27). Essa preferência dividida entre os pais por causa dos filhos não resultou em benefício algum para a família. Busic diz a respeito dessa preferência:

         “Como resultado do flagrante favoritismo de seus pais, a devastação emocional é desencadeada nos dois irmãos, e os seus caracteres são destruídos pelo tratamento preferencial. Esaú cresceu obstinado e orgulhoso, sem autocontrole. Jacó tornou-se mentiroso e conspirador, sem autoestima, querendo, desesperadamente, ser amado e aceito por seu pai, estando disposto a fazer qualquer coisa para ganhar a aprovação de Isaque, mesmo que isso significasse enganar”.1

1) Abençoado por engano. Quando Isaque quis dar a bênção a Esaú, seu primogênito, ele chamou-o, determinando que fosse ao campo, apanhasse “alguma caça” e fizesse um “guisado saboroso” como ele apreciava, para que, depois de comer, viesse a dar sua bênção (Gn 27.1-5). Rebeca, numa demonstração clara do seu caráter astucioso, chamou Jacó e, usando a autoridade materna, induziu-o a trazer uma caça para preparar um guisado saboroso como o patriarca gostava. Tudo isso para Isaque abençoar Jacó antes de morrer. Diante de tal proposta indecente, Jacó fez objeção, dizendo: “[...] Eis que Esaú, meu irmão, é varão cabeludo, e eu, varão liso. Porventura, me apalpará o meu pai, e serei, a seus olhos, enganador; assim, trarei eu sobre mim maldição e não bênção” (Gn 27.11,12). Ou seja: Jacó percebeu a malícia de sua mãe, questionou sua intenção carnal, mas não tomou posição ética com firmeza.

Rebeca provou que era obstinada em suas intenções. Além de induzir o filho ao pecado, requereu para si a maldição decorrente do engano e da mentira. Sem força moral para enfrentar a mãe, Jacó
mostrou o lado fraco de seu caráter. Ele cedeu, foi buscar a caça, e sua mãe apressou-se em fazer a comida que o pai gostava. Pior ainda: fez um arranjo mentiroso no filho, enfeitando-o com pelos de carneiros para que parecesse a seu pai que era Esaú. Quando toda a trama astuciosa estava completa. Jacó foi à presença de Isaque e apresentou-se, passando-se por Esaú, com o guisado que o pai pedira. O velho Isaque estranhou o filho trazendo o que ele pedira tão rápido. Jacó, porém, seguindo o mau exemplo da mãe, enganou seu pai, dizendo que Deus o tinha abençoado e mandado a caça a seu encontro. Ele mentiu, enganou e usou o nome de Deus em vão (Gn 27.14-25).

Isaque desconfiou de tudo, mas, pelo fato de não mais ver com nitidez, deixou-se levar pelo filho enganador. O patriarca chamou o filho para beijá-lo e dar a bênção a ele. A exemplo de Judas, que traiu Jesus com um beijo (Lc 22.48). E, por engano, com base numa trama mentirosa, ministrou uma linda bênção sobre Jacó, imaginando estar abençoando Esaú. “E chegou-se e beijou-o. Então, cheirou o cheiro das suas vestes, e abençoou-o, e disse: Eis que o cheiro do meu filho é como o cheiro do campo, que o Senhor abençoou. Assim, pois, te dê Deus do orvalho dos céus, e das gorduras da terra, e abundância de trigo e de mosto. Sirvam-te povos, e nações se encurvem a ti; sê senhor de teus irmãos, e os filhos da tua mãe se encurvem a ti; malditos sejam os que te amaldiçoarem, e benditos sejam os que te abençoarem” (Gn 27.27-29).

2) Consequências do engano. Há quem ensine que o plano astucioso de Rebeca somado à leniência de Jacó foi da vontade de Deus — para justificar a doutrina da predestinação absoluta. Não compartilhamos dessa interpretação. Deus não aprova a mentira. Podemos dizer que Deus permitiu que tudo acontecesse. Rebeca usou Jacó para mentir e enganar Isaque, seu pai, para apropriar-se da bênção que seria de Esaú, e as consequências logo foram sentidas.

a) A mentira descoberta. Quando Jacó saiu da presença de Isaque com a bênção pelo engano, Esaú apresentou-se com o guisado que preparara, a fim de receber a bênção do pai.
Ao ouvir a voz inconfundível de Esaú, Isaque estremeceu e indagou sobre quem seria aquele que o enganara e tomara a bênção de Esaú, concluindo que fora Jacó. Exasperado, Esaú levantou a voz e chorou, acusando o irmão de ser usurpador, pois este já o tinha enganado duas vezes: tomando a sua primogenitura e, depois, a bênção do seu pai.

b) Uma bênção secundária. O que aconteceu depois foi terrível. Isaque, estremecido, dominado pelo desespero e num clima emocional carregado de tensão, deu a Esaú uma bênção significativa, porém subordinando Esaú a Jacó, pelo menos até que saísse do jugo de seu irmão: “Então, respondeu Isaque, seu pai, e disse-lhe: Eis que a tua habitação será longe das gorduras da terra e sem orvalho dos céus. E pela tua espada viverás e ao teu irmão servirás. Acontecerá, porém, que, quando te libertares, então, sacudirás o seu jugo do teu pescoço” (Gn 27.39,40). Apesar de ter dado uma bênção a Jacó por ter sido enganado, ela não podia mais ser revogada. Isaque fez isso pela fé, e Deus honrou o que seus lábios proferiram com sinceridade na vida do filho mais novo, tendo em vista seus propósitos para com a nação israelita. Ainda assim, houve mudança no teor da bênção. Na primeira, dada a Jacó por engano, Isaque diz que Deus daria “o orvalho dos céus” a ele e, também, “das gorduras da terra, e abundância de trigo e de mosto” (Gn 26.28).

c) O ódio domina o coração de Esaú. Usando de astúcia, Jacó tomou mais uma vez o lugar do seu irmão, apropriando-se da bênção de seu pai. “E aborreceu Esaú a Jacó por causa daquela bênção, com que seu pai o tinha abençoado; e Esaú disse no seu coração: Chegar-se-ão os dias de luto de meu pai; então, matarei a Jacó, meu irmão” (Gn 27.41).

d) A benção consciente. O velho Isaque, percebendo que Deus tinha um plano na vida de Jacó, despediu-o com exortação paternal, debaixo de sua bênção de caráter profético: “E Isaque chamou a Jacó, e abençoou-o, e ordenou-lhe, e disse-lhe: Não tomes mulher de entre as filhas de Canaã.
Levanta-te, vai a Padã-Arã, à casa de Betuel, pai de tua mãe, e toma de lá uma mulher das filhas de Labão, irmão de tua mãe. E Deus Todo-poderoso te abençoe, e te faça frutificar, e te multiplique, para que sejas uma multidão de povos; e te dê a bênção de Abraão, a ti e à tua semente contigo, para que em-herança possuas a terra de tuas peregrinações, que Deus deu a Abraão” (Gn 28.1-4). Muito mais por causa das promessas feitas a Abraão do que por Jacó, Deus reiterou a bênção de Abraão sobre ele, como já o fizera com Isaque. “[...] peregrina nesta terra, e serei contigo e te abençoarei; porque a ti e à tua semente darei todas estas terras e confirmarei o juramento que tenho jurado a Abraão, teu pai. E multiplicarei a tua semente como as estrelas dos céus e darei à tua semente todas estas terras. E em tua semente serão benditas todas as nações da terra, porquanto Abraão obedeceu à minha voz e guardou o meu mandado, os meus preceitos, os meus estatutos e as minhas leis” (Gn 26.3-5).

e) Jacó foge como um homem culpado. Seguindo a orientação dos pais, Jacó saiu de Berseba e fugiu para Harã (Gn 28.10). Ele caminhou solitário durante o dia, e a noite alcançou-o num lugar deserto. Foi uma noite de tristeza e solidão para o filho de Jacó. Em lugar de uma cama confortável, ele fez de uma pedra o seu travesseiro (Gn 28.10,11).

II - ASPECTOS DO CARÁTER DE JACÓ
1. Antes do seu Encontro com Deus
Só conhecemos Jacó a partir de sua juventude. Àquela altura, seu caráter já se construía, com experiências desde a sua infância. Até o encontro com Deus em Betei, ele era apenas um “homem natural”, ou carnal (1 Co 2.14). Naquela fase de sua vida, podemos ver alguns aspectos negativos de seu caráter.

1) Oportunista e egoísta. Quando seu irmão chegou com fome e pediu-lhe para comer do seu guisado, ele poderia ter-lhe oferecido de sua comida, compartilhando sua refeição. No entanto, numa prova de oportunismo e ambição, disse logo: “Vende-me, hoje, a tua primogenitura” (Gn 25.31). Imagine se, hoje em dia, um irmão cobrasse do outro um carro novo por um prato de sopa! Seria notícia nos noticiários da televisão. Nas redes sociais, seria “viralizado” com algum título absurdo, do tipo: “Crente de uma igreja troca um prato de sopa por um carro zero quilômetro”. Jacó fez pior que isso. Em seu oportunismo e ambição, pediu a seu irmão o que ele tinha de mais precioso em troca de um prato de lentilhas, que foi o direito de primogenitura, que lhe garantia privilégios quando da partilha da herança do seu pai. O primogênito era santificado ou consagrado a Deus (Ex 13.2, Nm 3.13; Lc 2.23); era tão importante ser o primogênito que Deus deu os levitas em lugar deles (Nm 3.12); a herança do primogênito era o dobro do que os demais filhos receberiam, mesmo que fosse filho de esposa “aborrecida” pelo marido (Dt 21.17); o primogênito tinha o direito de assumir a liderança do pai sobre o grupo, o clã, a tribo ou o reino (2 Rs 3.27).
Esse defeito ocorre ainda hoje quando há cristãos que dão lugar à sua velha natureza e barganham coisas com seus irmãos, explorando-os por suas necessidades. Se um pastor diz para a igreja que os crentes devem dar “tudo o que têm”, “todo o seu salário”, “o seu carro” ou “sua casa” para que seja abençoado, ele, então, está agindo como Jacó, pois está trocando até o que não lhe pertence por coisas que são valiosas para os necessitados.

2) Interesseiro e calculista. Enquanto Esaú era imediatista e agia por impulso, Jacó era frio e calculista. Conhecedor do comportamento leviano do irmão, Jacó não apenas propôs trocar algo tão insignificante, como um prato de sopa de lentilhas, por algo tão valioso, como também exigiu que Esaú fizesse um juramento que garantisse que sua troca seria respeitada por toda a vida. “Então, disse Jacó: Jura-me hoje. E jurou-lhe e vendeu a sua primogenitura a Jacó” (Gn 25.33; Hb 12.16). Só depois do juramento, ele “[...] deu pão a Esaú e o guisado das lentilhas” (Gn 25.34). Jacó era inteligente, provavelmente de temperamento fleumático, o que lhe dava condição de raciocinar com calma para alcançar o que  queria. Ele só esquecia uma coisa: da lei da semeadura e da sega. O que ele estava plantando em sua juventude haveria de colher mais tarde (Gl 6.7) em proporção muito maior.

3) Um caráter fraco e leniente. Jacó já não era mais um adolescente; porém, quando foi induzido por sua mãe a mentir e enganar seu pai? Ele sabia que tal proposta era errada (Gn 27.11,12). Sua mãe insistiu na prática do erro, chamando para si a maldição daquele engano, daquele arranjo fraudulento. Jacó, por sua vez, não teve força moral para ficar firme e, mesmo contrariado, fez tudo o que sua mãe lhe obrigara: levou os cabritos para ela fazer o guisado, vestiu as roupas de Esaú, deixou sua mãe cobrir suas mãos com pelos de cabrito e levou o guisado para seu pai (Gn 27.6-17). Um filho deve honrar seus pais, pois é mandamento de Deus, mas não tem obrigação de compactuar com a mentira e a trapaça.

4) Mentiroso e enganador. Ao chegar à presença de Isaque, este perguntou: “Quem és tu, meu filho?” (Gn 27.18). Era a hora da verdade. Ainda assim, Jacó preferiu continuar na mentira: “Eu sou Esaú, teu primogênito. Tenho feito como me disseste [...]” (v. 19). Eis a primeira mentira. Onde estava o temor de Deus na vida de Jacó? Responder ao pai que era o irmão?! Isaque ficou admirado, pensando ser Esaú, e também como teria retornado tão rápido com a caça. Mais uma vez, Jacó mentiu: “Porque o Senhor, teu Deus, a mandou ao meu encontro” (v. 20). Aí está a segunda mentira. Ao abraçar Jacó, Isaque disse: “A voz é a voz de Jacó, porém as mãos são as mãos de Esaú” (v. 22). Confuso, Isaque perguntou: “Es tu meu filho Esaú mesmo? E ele disse: Eu sou” (v. 24). E assim Jacó mentiu pela terceira vez. Mesmo em dúvida, Isaque abençoou Jacó, pensando que era Esaú (w. 24-29).

2. Depois do seu Encontro com Deus.

1) Um caráter agradecido. Surpreendentemente, Jacó passou a ver as coisas numa perspectiva espiritual de um novo relacionamento com Deus e fez-lhe um voto, dizendo: “[...] Se Deus for comigo, e me guardar nesta viagem que faço, e me der pão para comer e vestes para vestir, e eu em paz tornar à casa de meu pai, o Senhor será o meu Deus; e esta pedra, que tenho posto por coluna, será Casa de Deus; e, de tudo quanto me deres, certamente te darei o dízimo” (Gn 28.20-22). Nesse fato, vemos que Jacó tinha consciência do valor do dízimo como expressão sincera de gratidão a Deus, a exemplo do que fizera Abraão, seu avô, perante Melquisedeque (Gn 14.18-20). A atitude de Jacó em relação ao dízimo responde a uma questão que muitos crentes fazem: se o dízimo é sobre o bruto da renda ou sobre a renda líquida. Em seu voto, ele prometeu dar “de tudo” quanto Deus desse a ele, e não do que lhe sobrasse. Abraão também deu “o dízimo de tudo” (Hb 7.2). Isso mostra que o cristão grato a Deus entrega o dízimo da sua renda bruta e não do que lhe sobra. A atitude de Jacó demonstra sua gratidão a Deus de forma antecipada. E o Senhor honrou a sua fé.

2) Um caráter esforçado e sofredor. Ao chegar à casa de Labão, seu tio, Jacó revelou-se um homem trabalhador. Em lugar de receber um salário em dinheiro, preferiu trabalhar sete anos por Raquel, a quem amava. Mas, na noite de núpcias, ele experimentou, em termos de engano, o resultado daquilo que plantara. Jacó foi enganado pelo sogro e, em lugar de casar-se com Raquel, acabou casando-se com Léia. Só depois que terminou a semana de festas de casamentos, Jacó casou-se com Raquel, sua amada, e ficou trabalhando para Labão “outros sete anos” (Gn 29.21-30).
Não foi apenas esse o preço que Jacó teve que pagar por sua vida de enganos e mentiras. Labão mudou o seu salário dez vezes durante 20 anos (Gn 31.7). Em sonho, Deus mostrou como suplantar a ambição e a injustiça de Labão. O “anjo de Deus” mostrou-lhe como fazer para que o seu rebanho ficasse forte e o rebanho do sogro enfraquecesse (Gn 31.10-12). Alguém escreveu que ele enganou o sogro. Mas, se foi o anjo de Deus que lhe orientou, não é considerado engano.

3) Um homem na direção de Deus. Após ser enganado pelo sogro, Jacó reuniu sua família e fugiu de Harã. Mas ele não o fez apenas pelo medo do sogro. Sua saída de Harã foi por direção de Deus, com quem ele aprendeu a relacionar-se. “E disse o Senhor a Jacó: Torna à terra dos teus pais e à tua parentela, e eu serei contigo. (Gn 31.3). Ao explicar o plano de fuga à família, Jacó repetiu o que ouvira da parte de Deus: “Eu sou o Deus de Betei, onde tens ungido uma coluna, onde me tens feito o voto; levanta-te agora, sai-te desta terra e torna-te à terra da tua parentela” (Gn 31.13). Desse modo, Jacó empreendeu a fuga com a família, sendo imediatamente perseguido pelo sogro. Este não pôde fazer-lhe mal algum porque Deus entrou em ação e determinou que ele não falasse “nem bem nem mal” (Gn 31.24).

3. O Reencontro com Esaú
Aproximando-se de Seir, na terra de Canaã, onde seu irmão vivia, Jacó enviou mensageiros a Esaú e anunciou o seu retorno. Os mensageiros voltaram e disseram que Esaú vinha ao seu encontro com 400 homens.

1) Um homem quebrantado e temente a Deus. Jacó lembrou-se do passado e de sua desavença com o irmão e, temeroso, dividiu a família em dois bandos para que um pudesse escapar em caso de ataque. Sua angústia era grande, porém sua oração revela seu temor (Gn 32.9-12). Ele enviou três grupos de servos, cada um levando presentes para aplacar uma suposta agressão por parte de Esaú (Gn 32.13-21).

2) Um homem que lutou com Deus. Após tomar as precauções que julgava necessárias, Jacó passou o vau de Jaboque e travou uma luta com um varão até pela manhã. O “varão” era um ser celestial — provavelmente um anjo — que não prevaleceu contra Jacó. Não pode ter sido o próprio Deus, pois um homem jamais podería vencer Deus. Além disso, o “varão” perguntou pelo seu nome, e ele respondeu: “Jacó”. E o anjo lhe disse: “Então, disse: Não se chamará mais o teu nome Jacó, mas Israel, pois, como príncipe, lutaste com Deus e com os homens e prevaleceste. E Jacó lhe perguntou e disse: Dá-me, peço-te, a saber o teu nome. E disse: Por que perguntas pelo meu nome? E abençoou-o ali. E chamou Jacó o nome daquele lugar Peniel, porque dizia: Tenho visto a Deus face a face, e a minha alma foi salva” (Gn 32.28-30).
A experiência do encontro de Jacó com Esaú mostra que, quando Deus age na vida das pessoas, seus caracteres são transformados. Jacó passou a ser humilde, sofredor, paciente, longânimo, altruísta. Esaú passou a ser manso, perdoador e maduro. Em ambos os casos, vemos a graça de Deus superabundando onde, antes, abundou o pecado na vida desses irmãos (Rm 5.20). Foi pela sua incomensurável graça que Deus escolheu Jacó em lugar de Esaú, mesmo com seu caráter deficiente. Esaú e Jacó passaram a viver o que diz o salmo: “Oh! Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união!” (Sl 133.1).

CONCLUSÃO
A escolha de Jacó para ser o patriarca que tomou o nome de Israel, sendo ele o líder das 12 tribos da nação israelita, não atende aos pressupostos da lógica racional, sob o ponto de vista humano. Mesmo assim, representa uma das insondáveis decisões divinas que atende aos propósitos de Deus, especialmente em cumprimento às promessas feitas a Abraão, de que ele seria pai de uma grande nação, quando de sua extrema velhice e também esterilidade de sua esposa. Deus não escreve certo por linhas tortas, como diz o dito popular, mas escreve certo pelos seus retos propósitos e insondáveis pensamentos.



Almir Batista
 

Fonte :

Livro o Caráterdo Cristão
Moldado pela Palavra de Deus e provado como ouro


Elinaldo Renovato de Lima

Jacó, um Exemplo de Caráter Restaurado

O desvio de caráter é algo sério. Significa violar valores fundamentais que, uma vez não respeitados, põem em xeque o bem estar do outro. Essa afirmativa pode ser exemplificada a partir de dois exemplos.
         Primeiramente, digamos que você entrega um valor monetário para uma pessoa, em tese de sua confiança, para depositá-lo numa conta mencionada por você. A pessoa diz que o depositou conforme solicitado. Mas passam os dias e o beneficiário informa que não o recebeu. Ora, por certo houve um problema eletrônico ou algo do tipo − pode-se pensar. Entretanto, a pessoa que você pediu para depositar o valor sabe que não houve problema algum, pois simplesmente ela o tomou para si.
    Segundo, imagine um partido político uma vez no poder, que outrora pregava contra a corrupção, deliberadamente não obedece as leis fiscais, não se faz transparente, maquia a contabilidade no ano de eleições a fim de os adversários políticos e a sociedade não terem acesso às informações verdadeiras. Tudo em nome de uma causa que poucos conhecem a quem interessa. Desobedecer deliberadamente as leis a fim de esconder o próprio crime é a prova cabal do desvio de caráter. Portanto, algo muito sério!
    Os casos mencionados, ambos exemplos da vida real, prejudicaram pessoas. O primeiro lesou duas: a que solicitou o depósito e a que teria de recebê-lo. Imagine o transtorno com atrasos, necessidades não atendidas e outras mais! O segundo caso lesou a nação inteira, pois trabalhadores perderam seus empregos, empresas faliram e a Economia quebrou. É impossível calcular as décadas de perda para essa nação. Demorará muito para ela se recuperar. Na presente lição acerca do caráter de Jacó, tanto do ponto de vista individual quanto do coletivo, não podemos tratar o desvio de caráter como se fosse algo distante de nós. Invariavelmente, é possível o cristão comum se vê num contexto em que essa luta travada com a natureza humana se manifeste. Entretanto, devemos dar ênfase ao aspecto restaurador do caráter de Jacó, pois a história do patriarca mostra o quanto a natureza humana pode ser alterada a partir de um verdadeiro encontro com Deus. Um processo de metanoia se instala, isto é, há uma transformação radical no caráter, carregada de uma convicção profunda de arrependimento. Ora, em Cristo Jesus, todo ser humano pode ter esse encontro com o nosso eterno Senhor. Em Cristo, o caráter pode ser restaurado!

JOVENS (Subsídio Teológico Cap 5/ 2º Trim 2017) As Exigências Básicas da Justiça Sob a Ótica de Jesus

Seguindo o raciocínio de Joachim Jeremias, a justiça a ser contrastada agora com a do Reino é a dos fariseus. Enquanto os escribas, tal como apresentado nos Evangelhos, “são mais bem compreendidos como burocratas e também peritos da vida judaica”,1 os fariseus, ou perushim, isto é, do “hebraico parash, separar, interpretar”, expressão que “literalmente significa ‘separados ou separadores’ e pode ser entendida, como ‘intérpretes ou comentadores’, isto é, aqueles que distinguem, separam e expõem a lei”,2 eram judeus piedosos e, pela sua popularidade, considerados “mentores religiosos da ‘ralé’”.3 De acordo com Evaristo Miranda e José Schorr Malca, a “piedade farisaica, como norma para a vida cotidiana, não tinha necessidade de outro centro, de outro lugar, de outro templo que não fosse o próprio homem”.4 Como ambos têm uma posição “pró-fariseus”, eles denominam a prática religiosa desse grupo judaico como “farisianismo”. O que interessa, no momento, a este estudo é o fato de que o referido grupo tinha como característica o ser “leigo, heterogêneo e piedoso”.5 Portanto, como concorda a maioria dos autores, a esmola, a oração e o jejum, eram as exigências básicas da justiça, segundo o judaísmo, e, portanto, muito prezadas pelos fariseus.
         Em que consistia então a “censura” de Jesus? A tradução que traz a palavra “justiça”, no versículo um, em vez de “esmola”, parece expressar mais fielmente a ideia a ser trabalhada pelo Mestre. Na verdade, a maioria dos exegetas afirma que a expressão literal é “fazer a vossa justiça” [dikaiosynê, “retidão”, “justiça”], isto é, realizar as exigências básicas da religião oficial de Israel. Como corretamente observa Dumais, as “três estrofes” (Mt 6.1-8,16-18), estruturadas da forma que aqui está sendo apresentada, deixando o Pai-Nosso para análise à parte, “se estruturam exatamente da mesma maneira, em dois quadros paralelos: mandamento negativo - motivação - sanção; mandamento positivo - motivação - sanção” e, continua o mesmo autor, “estão marcadas pelas mesmas oposições: público / oculto; visto pelos homens / visto pelo Pai; recompensa já recebida / recompensa a receber do Pai”.  O teólogo francês assinala que tal “jogo das oposições mostra que a intenção desta passagem não é exortar à prática dessas três obras de piedade, habituais na comunidade de Mt, mas propor a melhor maneira de as exercer”.  Em outras palavras, tal deve ser praticado, porém, de forma correta e com motivações nobres. Mesmo porque, como observa Joachim Jeremias, o fato de Jesus recorrentemente falar acerca da necessidade de se dar esmolas aos pobres só pode ser entendido pelos leitores modernos quando se descobre, ou se tem “em mente que ‘dar esmolas’ no Oriente não é apoio à mendicância, mas a forma da ajuda social por excelência”.8 Alinha-se a Dumais, Élian Cuvillier, ao dissertar a respeito da mesma passagem nos seguintes termos:

O que, em substância, essa reinterpretação manifesta pode ser resumido na forma de uma alternativa: ou uma “ética do parecer”, pela qual o crente tem sua vida assegurada pelo olhar dos outros, ou uma “ética do segredo”, segundo a qual a identidade não depende do que faz o homem sob o olhar dos outros, mas da relação filial com o Pai que vê no segredo. Não se trata tanto de contestar a validade das obras de piedade quanto de sublinhar que a entrada no Reino (em outras palavras: a “recompensa”, [...], w. 1.2.5.16) é concedida de acordo com critérios que não são os do mundo e de sua lógica, à qual pertence a ordem religiosa. Na lógica do Reino dos céus, que é a do segredo e do íntimo, o ato ético ou o gesto de piedade é justamente o inverso do que se pode constatar a olho nu: a justiça do Reino não tem nada a ver com a justiça dos homens. [...] É diante do “Pai” que o sujeito se descobre na verdade. E é por isso que, em vez de se preocupar com as coisas deste mundo, os ouvintes do [Sermão do Monte] são convidados à confiança absoluta no Pai (w. 19-34). Pertencer ao Reino dos céus e sua justiça (w. 33) é viver na confiança, isto é, reinterpretados [e na] compreensão de si mesmo e dos outros como seres em relação (7,12) e não apenas um viver juntos de maneira razoável que a lei, como mandamento, torna possível.


         O tríplice uso da expressão “hipócritas” [hypokritês] (w.2,5,16), termo grego originalmente utilizado no teatro para os atores que representavam, denota a seriedade com que são encarados os que fazem o bem com motivações escusas. É impossível não lembrar-se de Mateus 25.31-46, quando as ovelhas forem separadas dos bodes, justamente por causa das boas obras executadas. Obras que, vale ressaltar, eram praticadas sem nenhum outro interesse por parte de quem praticava a não ser o bem da pessoa necessitada. Aliás, os benfeitores estavam fazendo ao próprio Filho de Deus, mas eles sequer sabiam disso! Nada fora feito para representar, pois eles sequer sabiam que estavam sendo observados e suas obras anotadas e contabilizadas. É assim que, conforme observa Dumais, uma “ação praticada diante do Pai em segredo’ (w. 4.6.18) não significa uma ação secreta’; designa toda ação, até pública, que se faz de verdade diante do Pai, que vê o que está oculto’, isto é, que penetra a intenção profunda dos corações”.10 O feito de qualquer um, isto é, qualquer obra, jamais será “oculta” diante dos olhos de quem tudo vê e conhece. Inclusive as ações, não precisam ser necessariamente ocultas, escondidas, pois se não houver outra forma ou local, elas podem ser realizadas publicamente. A intenção com que elas irão acontecer não passará despercebida dos olhos do Pai. Portanto, o que se desaconselha aqui é a dramatização, o representar, o querer passar-se por piedoso, sendo hipócrita. Estes nada devem esperar por parte do Pai.
         A observação do Mestre não fica centrada em apenas o que se pode oferecer ao próximo como uma forma de autoendeusamento, mas ela atinge até mesmo a vida devocional, pois a hipocrisia não poupa nem mesmo esta área. O ponto todo, conforme observa Shelton, é que “Jesus está mais preocupado com a ardilosa orquestração de religiosidade”.11 Uma experiência pessoal talvez ilustre melhor o que está sendo dito. Há muitos anos, quando ainda residia no interior do Paraná, fui convidado a participar de um evento em uma cidade da região oeste do estado. Lá, após o culto, conheci um ancião que me relatou uma experiência que jamais esquecerei. Ele contou, em lágrimas, que certa feita resolveu contabilizar, pelo resto de sua vida, quantas horas ele havia orado. Comprou um caderno e pôs-se a registrar cada minuto em que “se dirigia” a Deus. Já havia se passado um bom tempo, quando um dia Deus lhe falou que todos aqueles momentos nada tinham valido diante dEle.
 Fora tudo em vão! Aliás, era para ele abandonar aquela prática e destruir aquele caderno, pois estava se tornando um motivo de exaltação pessoal e orgulho. Nunca me esquecerei dessa experiência e o quanto a piedade — inclusive sincera —, pode nos afastar de Deus e nos tornar autólatras. Como afirma Benedict Viviano, o ensinamento dos versículos 5 a 8, “não depreciam a adoração pública como tal, uma vez que Jesus participava nos cultos na sinagoga”.12 O Mestre também chegou a orar em público, e mais de uma vez, pois o ponto é a hipocrisia e não o orar publicamente (Jo 11.41,42; 12.27,28).
Shelton diz que o “jejum era acompanhado tradicionalmente pelos procedimentos de vestir-se com pano de saco, não tomar banho e não ungir o corpo ou a cabeça com óleo”. 
A questão da hipocrisia, do representar e ser “ator” fica ainda mais evidente quando se sabe que, de acordo com o mesmo autor, “Alguns fariseus faziam um espetáculo com os jejuns que observavam, cobrindo a cabeça ou aplicando copiosas demãos de cinza e sujeira no rosto, tornando-os pouco reconhecíveis”.13 O Mestre não condena o jejum e pressupõe sua legitimidade ao recomendar a forma natural com que se deve proceder nesse ato (w.17,18). Viviano observa que, de acordo com o Didaquê 8,1, “os judeus jejuavam em segredo às segundas e quintas- feiras, ao passo que os cristãos escolheram as quartas e sextas-feiras (esta última em memória do sofrimento de Jesus)”.14 Portanto, o jejum consciente, não mecânico, discreto e em sinal de humilhação, torna-se importante recurso ao lado da oração. Na verdade, conforme instruiu o Senhor Jesus Cristo, o jejum e a oração são aliados dos que se colocam à disposição de Deus para auxiliar as pessoas no processo de libertação de possessões malignas (Mt 17.21).

Finalmente, resta perguntar pelas três ocorrências da expressão “teu Pai, que vê o que está oculto te recompensará” (w.6,18; no v.4 “secreto”,), em que consiste tal “recompensa”. De acordo com Dumais, a referida recompensa não está definida, mas o “conjunto da passagem e o contexto que a acompanha (cf. Mt 5,43-48; 6,9- 13) convidam a ligar o tema da recompensa ao do Pai e da relação Pai-filho”. Isto é, mantendo o “mistério da recompensa inteiramente intato, pode-se pensar que, em resposta aos gestos humanos, expressivos do estar-diante-do-Pai, o que vai acontecer, em primeiro lugar, é a reciprocidade da relação por parte do Pai”. Assim, tais “atos religiosos autênticos vão produzir seus frutos intrínsecos: Deus retorna (‘dá em retorno’) a relação que se estabelece com ele”, ou seja, a “recompensa é, de certo modo, imanente: consiste no crescimento da relação Pai-filho”.15 O que pode ser mais importante que tal relação? Moisés a suplicou e Davi não queria que se retirasse dele o Espírito do Senhor (Êx 33.1-23; SI 51.11). Quanto ao fato de tais atos gerarem galardão no Tribunal de Cristo (1 Co 3.12-15), não há como se concluir, mas o certo é que o Mestre fala de galardão e recompensa, sejam estas na eternidade, no Julgamento das Nações ou agora mesmo com a presença do seu Espírito, o importante é agradar ao Senhor e ter comunhão com Ele. Entretanto, é importante lembrar que a questão toda gira em torno da discrição e sinceridade, mas isso também não significa ocultação de quem se é ou viver uma espécie de “criptocristianismo”, pois o sal da Terra e a luz do mundo têm uma missão a cumprir: revelar à humanidade a “nova justiça”, excedendo a justiça dos fariseus, isto é, dos religiosos.

Coluna defesa da fé - Como identificar falsos profetas

            As Escrituras ensinam que Deus pode provar Seu povo, permitindo a manifestação do sobrenatural de fontes estranhas. É, até possível, às vezes, o cumprimento das palavras ou profecias deles, mas sob a permissão de Deus (Dt 13.2). Jesus advertiu, no sermão profético, que o anticristo virá fazendo sinais, prodígios e maravilhas. No livro de Apocalipse, lemos que a besta será adorada e admirada por todos os moradores da terra por causa dos seus sinais sobrenaturais. Não é, portanto, somente o cumprimento de uma palavra ou uma operação de maravilhas que vai autenticar um profeta.
            Nem sempre é possível identificar o produto falso do verdadeiro apenas pela embalagem, mas pelo seu conteúdo. Assim, ensinou Jesus, eles serão identificados pelos frutos, ou seja, pelo conteúdo, e não pela aparência. É, pois, necessário compreender o que ele estava dizendo com a expressão: "Por seus frutos os conhecereis". Será que Jesus falava de uma vida piedosa? Há muitos piedosos e, em sua ignorância, apesar da honestidade e boa conduta, são adeptos de religiões falsas e de seitas sectárias. Esses frutos são o conteúdo dos ensinos.
            A chave principal para se descobrir a procedência espiritual de um profeta é saber qual a sua posição teológica. Como a Bíblia é vista por ele, qual o seu pensamento em relação à Pessoa de Jesus, se realmente crê na humanidade e divindade de Cristo e se crê que ele morreu pelos nossos pecados e ressuscitou corporalmente dentre os mortos. O que ensina sobre a Trindade, sobre a salvação, sobre o pecado e sobre a igreja. Mesmo assim, convém fazer uma investigação criteriosa, pois os falsos profetas são peritos na arte do disfarce, usam os mesmos termos cristãos com sentido diferente. O movimento patrocinador do jornal Árvore da Vida usa constantemente o termo "trindade", em sua literatura, mas são unicistas. O seu conceito de trindade destoa daquele expresso no Credo de Atanásio.
             A adivinha de Filipos falava a verdade quando declarou abertamente que Paulo e Silas eram servos do Deus Altíssimo e anunciavam aos homens a salvação, mas que "salvação" aquele espírito se referia? Atualmente, esses agentes usam a mesma perícia. Quando os mórmons afirmam ser Jesus o Filho de Deus, não estão pregando a mesma mensagem cristã que pregamos, pois segundo eles: "Como o homem é, Deus foi; como Deus é, o homem poderá vir a ser", pois em sua doutrina Deus é um homem exaltado. Assim, ensinam que Jesus não foi gerado pelo Espírito Santo.
             As testemunhas de Jeová usam com frequência o termo "ressurreição", mas o seu conceito destoa da ortodoxia cristã. Ensinam que Jeová vai recriar a pessoa, com a mesma aparência e característica, seria um clone, rejeitam a ideia de levantar dentre os mortos, como sugere o próprio termo grego. Por isso, negam a ressurreição de Jesus, afirmam que Jeová clonou Jesus, assim, o corpo da ressurreição não seria o mesmo que foi sepultado.
            Os falsos profetas são personagens que se apresentam como enviados de Deus, mas profetizam falsamente e introduzem, sorrateiramente, heresias de perdição (2 Pe 2.1-3). Os cristãos devem levar esse assunto a sério, pois quem realmente experimentou o poder de Deus na vida não pode ser levado por impostores. Deus permite o sobrenatural de fontes estranhas O cristão não deve ir atrás do sobrenatural e nem de vantagens, mas ficar na Palavra.


ESEQUIAS SOARES Pastor Presidente da AD Jundiaí (SP) Presidente da Comissão da Apologética da CGADB Graduado em Letras Orientais Hebraico - USP Mestre em Ciências da Religião - Universidade Mackenzie Professor de Hebraico, Grego e Apologia Cristã Comentarista das Lições Bíblicas da Escola Dominical.


Fonte: http://adnews.jor.br

JOVENS (Subsídio Teológico Cap 4/ 2º Trim 2017) Jesus e sua Interpretação da Lei (Mt 5.21-48)

Esta grande porção escriturística, conhecida como “antíteses” de Jesus, cujo número é seis (w. 22,28,32,34,39 e 44),1 constitui, juntamente com sua conclusão, “a ilustração direta do quadro hermenêutico apresentado em 5,17-20”,2 isto da justiça do Reino, explicitada no capítulo anterior. Alinho-me a Cuvillier, na ideia de que não se trata simplesmente de “máximas morais ou, em outros termos, de um ‘mandamento’ (5,18-19), mas é a ‘justiça superior’”3 contraposta à justiça dos fariseus, conforme o entendimento de Joachim Jeremias, anteriormente colocado na introdução. Para o mesmo autor, a “lógica que prevalece nessa passagem é a do excesso” e, continua ele, “se se trata de excesso, do incalculável, o outro não é simplesmente uma pessoa, objeto de um respeito quantificável em vista de um mandamento, mas se torna ‘sujeito’ que encontramos como próximo para além da regra”. Neste caso, Cuvillier explica que a “utilização da hipérbole indica que [tal] palavra [...] não visa à descrição precisa de uma prática, que arriscaria se tornar razoável e a reduzir a ‘justiça superior’ da ordem do Reino de Deus à letra do ‘mandamento’ da ordem deste mundo”.4 O que está sendo dito é que, enquanto o mandamento, por mais objetivo que fosse, não conseguia contemplar as múltiplas formas de o pecado se manifestar, a justiça superior não pode ser convertida em regras, apesar de elas existirem, pois sua abrangência visa ao estado de consciência e aos hábitos do coração. Ela não se contenta com a não concretização do erro e da transgressão, quando qualquer um pode constatar o que de fato ocorreu. Sua atuação baseia-se no amor ao próximo, da mesma forma como Cristo ama a humanidade, um amor sem precedentes, posto que não exige reciprocidade e existe muito antes de o próximo saber de nossa existência objetiva.
É Günther Bornkamm quem lembra que “Jesus apresenta- se como escriba” (apesar de Ele não ter exercido tal atividade oficialmente) e, como prova disso, cita o fato de que até mesmo em questões judiciais de conflito de herança sua opinião, como resposta decisiva, era solicitada (Lc 12.13,14). O mesmo autor diz que apesar de as pessoas se dirigirem a Ele como “Rabi”, “não consta que tivesse estudado’ na escola de algum rabi famoso; seus adversários até o chamam de ‘iletrado’ (Jo 7.15; cf. Mc 6.2)” e sua “ordenação tampouco é mencionada em lugar algum”. Ainda assim, não é possível ignorar que sua atividade se assemelha muito, em algumas ocasiões, a dos escribas, pois “no judaísmo, o mestre é, de acordo com a natureza da lei, ao mesmo tempo teólogo e jurista”.5 E é como um autêntico teólogo, mas também profeta, que Ele disserta acerca da Lei e a reinterpreta, mostrando que a intenção do mandamento visava formar um caráter com a densidade necessária para transformar a mentalidade e o coração do indivíduo, levando-o a ter hábitos e uma filosofia de vida que não fossem orientados meramente pela observação mecânica de regras e mandamentos, mas pela valorização do outro que, mesmo à distância, não deve ser alvo da malícia interior de ninguém. Isto é, ninguém pode ser saudável apresentando-se, exteriormente, como puritano, enquanto cultiva, interiormente, o ódio, a perfídia, a maledicência, os desejos vis, a perversidade, a vulgaridade, a inveja, etc.
Dessa forma, as antíteses de Jesus como justiça do Reino, de acordo com Bornkamm, deixam claro que “a Torá não é mais, como o era para a totalidade do judaísmo, a fonte que única e exclusivamente comunica a vontade de Deus, mas que esta passa a vigorar de modo autônomo e livre na palavra de Jesus”.   Mas tal ocorre porque as  antíteses de Jesus “pode ser tudo, menos o dogma de um iluminista”, isto é, “trata-se, antes, da atualização da vontade de Deus por ele proclamada”,7 e, por isso mesmo, diz o mesmo autor, “elas partem do que foi dito ‘aos antigos’ e que é considerado tradição compromissiva pelos ouvintes, dando-lhe, porém, uma interpretação mais incisiva”.
Numa palavra, e de acordo com o mesmo autor, “Justiça, nos termos de Jesus, significa: não só dar lugar ao homicídio, mas também evitar já sua primeira manifestação, a palavra de ira que escapa contra o irmão; não só não cometer adultério, mas também evitar já o olhar lascivo e a ideia concupiscente e manter o matrimônio indissolúvel”9 e assim por diante. Na verdade, uma vez que a vontade de Deus foi deturpada “em um emaranhado de estatutos legais, tradições religiosas e morais”, a justiça do Reino “liberta a vontade de Deus da petrificação das tábuas da lei e estende a mão na direção do coração humano que se encontra encerrado e assegurado na custódia do legalismo”.10 E por que em direção ao coração? Pelo simples fato de que a chamada “casuística do legalismo judaico”, pontos em que arbitravam e se subdividiam os escribas em suas múltiplas escolas rabínicas, e também por vaidade, acabava por prevalecer, levando a exceção a se transformar em regra. Assim, a referida casuística que “se caracteriza por trançar uma rede com malhas cada vez mais finas, visando capturar toda a vida do ser humano”, acabava gerando um efeito contrário, isto é, a “cada nova malha, ela deixa um novo furo, e com seu zelo para tornar-se concreta, ela, na verdade, deixa de lado o coração humano”. Bornkamm diz que tal ‘“falta de coração’ é inerente a toda casuística” e que, por isso mesmo, as “orientações concretas de Jesus, em contrapartida, estendem a mão pelas lacunas e buracos em direção ao coração do ser humano e atingem o ponto em que sua existência diante do outro e diante de Deus realmente está em jogo”.11 O mesmo autor exemplifica sua tese dizendo que;

Isto se torna claro justamente nas antíteses do Sermão da Montanha. Nelas, a exigência de Deus se torna extremamente
simples. O que o ser humano faz é relativizado de maneira singular, sendo dado todo o peso ao como de seu agir. Isso não significa de forma alguma que o agir não mais seja importante e que só a “mentalidade” tenha valor. Essa distinção entre a ação e a intenção, que se tornou corrente na ética moderna, é totalmente alheia à proclamação de Jesus. Justamente as antíteses mostram que Jesus já considerou a mentalidade como ação; elas têm por objetivo a obediência até à ação concreta; “Quem ouvir estas minhas palavras e as puser em prática...!”. Isto quer dizer: a “relativização” da ação significa, antes de mais nada, que ela é colocada em relação a aquilo que o ser humano na verdade é e quer. Agora ela já não é uma obra que parece comparecer diante do ser humano, assim como a lei já não é um estatuto que pudesse comparecer diante de Deus.  


Uma última palavra de Marcei Dumais torna-se necessária antes de falar sucintamente de cada uma das seis “antíteses”. O referido autor diz não ser apropriada essa expressão para referir- se ao texto objeto de estudo deste capítulo em sua completude, posto que não há apenas contraposições nesse texto e sim também ajustamentos na Lei. Sendo assim, Dumais defende que elas seriam mais bem denominadas como “‘contra-tese’ ou contraste’”. Além disso, uma vez que o “ensinamento de Mt 5,21-48 está expresso em linguagem simbólica e não jurídica: indicajndo] mais uma diretiva e uma qualidade de agir do que um comando de comportamentos determinados”, é incorreto designá-la de “Lei nova”. Desta forma, a divisão dessa porção escriturística, com suas seis perícopes, de acordo com Dumais, seria a seguinte: “Aprofundamento da Lei antiga: ant. 1 (morte / cólera); ant. 2 (adultério / cobiça); ant. 6 (amar seu próximo / amar seu inimigo)” e “Revogação da Lei antiga: ant. 3 (divórcio permitido / nada de divórcio); ant. 4 (juramento permitido / nada de juramento); ant. 5 (lei do talião / nada de talião)”. A explicação é que há exegetas que “concordam em designar as antíteses 1 e 2 como portadoras de um aprofundamento da Lei citada, e as antíteses 3 e 5, como anuladoras desta Lei, ultrapassando-a”. Dumais ainda cita outros intérpretes dizendo que de acordo com eles, “a antítese 4 radicaliza a Lei, que é mantida, e a antítese 6 derroga o texto da Lei, que é enunciado”, enquanto outros acreditam que seja justamente o contrário. O teólogo francês alinha-se aos últimos e diz que “a antítese 4 derroga o direito de fazer juramentos, que se inclui na Lei antiga de cumprir os teus juramentos para com o Senhor’ (5,33)”. Assim, Dumais diz que na “última antítese, Jesus, é verdade, vai na direção oposta da fórmula citada: odiarás o teu inimigo’, mas esta nem procede do A. T.”.13 Esta última observação torna uma vez mais necessária a leitura do apêndice que distingue a Torá da Halaká. Lembrando igualmente que a “justiça” que está sendo contraposta é a dos escribas, intérpretes e doutores da Lei, portanto, dos teólogos da época.

Primeira Antítese
A primeira antítese refere-se ao sexto mandamento (Êx 20.13; Dt 5.17). Nossa tradução do versículo 22 que parece sugerir, à primeira vista, que a ira “com motivo” é permitida, de acordo com Agostinho, os “códices gregos não dizem sem motivo, como aqui se acrescenta, conquanto o sentido seja o mesmo”. Para o Bispo de Hipona, quem se ira contra o pecado do irmão não se ira contra a pessoa e sim contra o ato, no entanto, “o que se ira contra seu irmão e não contra o pecado deste, esse se ira sem motivo”.14 Mas a admiração dos leitores, antigos e modernos, está na rigorosidade apresentada no versículo 22 que parece desproporcional em relação ao que se está fazendo, pois se trata apenas de “injúrias” ou xingamentos sem maiores “implicações”. No entanto, conforme oportunamente coloca Bonhoeffer, a “intenção é atingir, machucar, destruir”, visto que a “injúria consciente ataca a honra pública do irmão, visa torná-lo desprezível também a outros, busca no ódio a destruição de sua existência íntima e externa”.15 Enquanto o juízo se reservava apenas a quem matasse (Êx 21.12; Nm 35.16; Lv 24.17), o Mestre diz que a ira e, seus corolários (as injúrias), já colocam a pessoa sub judice, gerando até mesmo uma gradação — juízo, Sinédrio e Geena —, tal como apreciavam os juristas. No entanto, radicaliza a questão e, à “maneira dos sábios de Israel e dos rabinos, Jesus não hesita em empregar a linguagem retórica do paradoxo e da ironia, aqui e alhures, no [Sermão do Monte] (cf. 5,29.39; 6,3)”.16 Nas palavras de Shelton:

Jesus leva esta regra além dos limites dos seus contemporâneos. Na comunidade de Qumran, a pessoa que usasse linguagem impudente ou blasfema teria sua ração de comida reduzida por até um ano; tal pessoa seria evitada e, em alguns casos, até expulsa da comunidade (Normas da Comunidade 6.23—7.5,15-18). Jesus leva a ofensa ao precipício do inferno. O uso de Mateus da palavra geena com o significado de inferno é tipicamente judaico. No vale de Hinom (do qual a palavra geena é derivada), onde outrora se faziam sacrifícios humanos a deuses estrangeiros, os judeus de Jerusalém queimavam lixo; por conseguinte o lugar tornou-se símbolo de maldição abrasadora e irrevogável.

Os versículos 23 a 26, que aparecem de forma resumida em Lucas 12.58,59, deixam entrever o improvável não apenas para os escribas, mas a qualquer um. Apesar de o fato de a conexão entre culto e reconciliação não ser algo especificamente neotestamentário, posto que a oferenda, como se vê desde Caim e Abel, representa o próprio ofertante, o “novo” da observação de Jesus nesses versículos é a ideia de que se o ofertante souber que o seu irmão tem algo contra ele, sua oferta deve ser suspensa e retomada apenas depois de reatado o relacionamento. O que está implícito é que não se concebe a postura de um ofertante que tem algo contra o seu irmão e ainda assim apresenta-se para ofertar a Deus, como se nada estivesse acontecendo, que conhece a ambos. Isso seria um absurdo. Portanto, não é se o ofertante tem algo contra o outro (pois nem deveria ter!) que a oferta não pode ser apresentada, mas se o outro tem algo contra ele! Isso, independente de que o ofertante esteja “certo” e o outro “errado”. A recomendação é reconciliar-se depressa com o irmão, antes que a querela ganhe as instâncias judiciais, tanto humanas quanto divinas. Nas palavras de Franz Zeilinger, retribuir com amor a “uma pessoa que me quer mal nada mais tem a ver, certamente, com justiça vindicativa, mas antes com o Reinado dos Céus, que, desde agora, determina o pensar e o agir, pois, permite que o mundo humano transpareça numa luz diferente numa luz divina”.

Segunda Antítese
Na segunda antítese, o Senhor considera mais um mandamento, o sétimo (Êx 20.14; Dt 5.18). Não obstante, o décimo também parece ser contemplado aqui quando se fala da cobiça (Êx 20.17; Dt 5.21 cf. v.28). Contudo, conforme Giuseppe Barbaglio, “estava-se longe de colocar a dupla proibição no mesmo plano”.19 Isso porque, conforme já dito por Bornkamm, na justiça do Reino de Deus, a justiça superior, intenção é ação, ato. Quanto à radicalidade dos versículos 29 e 30, evidentemente que não tem um sentido literal, visto que a intenção nas está nos membros, ou órgãos, citados (olho e mão), e sim no “coração”, onde tudo tem início, portanto, a linguagem refere- se a uma demonstração da seriedade do assunto e a forma austera com que se deve lutar contra tais sentimentos egoísticos, visando extirpá-los sumariamente.

Terceira Antítese
Os versículos 31 e 32 não trazem simplesmente uma antítese, mas sim uma revogação. A referida antítese alude ao texto de Deuteronômio 24.1-4 e refere-se à normatização do rompimento da relação conjugal. Em uma sociedade patriarcal e marcada pela predominância masculina, a “carta de divórcio”, ou de repúdio, era um documento que visava proteger a mulher, posto que a partir do casamento ela “deixava” de ser propriedade do pai para se tornar propriedade do marido. Sendo assim, se caso o marido a despedisse sem dar-lhe o “libelo de repúdio”, a mulher não poderia casar-se com outro homem, ficando completamente desassistida, indo parar na mendicância ou na prostituição. Assim, a despeito de tal ato ser uma inovação e representar um avanço no mundo antigo, nessa antítese Jesus despreza tanto a opinião dos escribas adeptos da “escola rigorista de Shammãi [que] interpretava o motivo dado em Dt 24,1 (algo de inconveniente’) como indicador de uma ‘falta sexual”’, quanto a ala dos escribas pertencentes “a escola liberal de Hillel [que]  entendia [Dt 24.1-4] em sentido mais amplo: tudo o que constitui um comportamento desagradável para com o seu marido”.20 Shelton diz tais “comportamentos desagradáveis” incluíam uma simples falta, inclusive involuntária, como por exemplo, queimar uma refeição!21 A questão mais complexa dessa antítese é que enquanto Moisés “autoriza” o divórcio, Jesus o proíbe, mostrando sua autoridade sobre o grande legislador hebreu. Enquanto o primeiro parece ter sido mais flexível, o segundo diz que quem casa com a mulher repudiada, igualmente comente adultério. Algo extremamente inovador, sobretudo, pela responsabilização masculina (coisa raríssima de se ver naquela sociedade). Todavia, há uma exceção para o divórcio22 e esta merece o comentário à parte:

No subsequente estado adúltero da mulher que se casa com novo companheiro, a falta é colocada aos pés do primeiro homem que, de acordo com Jesus, obtém um divórcio frívolo.
Ele precipita um estado adúltero da mulher que se casa outra vez (que então pode não ter tido voz ativa no segundo matrimônio, dado seu estado social). Mais tarde, quando Jesus insistiu nesta visão estrita do divórcio, os fariseus perguntaram: “Então, por que mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio e repudiá-la?” Ele respondeu que Moisés tolerou esta prática “por causa da dureza do vosso coração”. Jesus manteve a posição anterior exarada pela lei natural quando instruiu o povo que o Criador designou que o marido e a esposa fossem uma só carne e nunca se separassem (Mt 19.4- 11). Na passagem em foco, Jesus diz que o homem que se divorcia da esposa por qualquer razão, exceto por infidelidade matrimonial, e se casa com outra mulher, comete adultério. A vontade de Deus é a permanência do matrimônio nesta terra.
Assim Malaquias escreve que Deus diz que o casal é uma carne e que Ele “aborrece o repúdio [ou odeia o divórcio]”, sobretudo por causa dos efeitos sobre os filhos (Ml 2.14-16).


O que chama a atenção, particularmente nesta antítese, diz Kümmel, “é que Jesus não apresenta nenhuma fundamentação das Sagradas Escrituras ou da tradição para fazer a afirmação”.24 A questão está mais do que clara na antítese: O padrão divino, retratado neste caso na nova justiça que se contrasta com a dos escribas, é o mesmo do início quando o Criador criou o primeiro casal (Gn 1.27; 2.24 cf. Ml 19.4-6). Mas, ao fazer isso, o Mestre demonstra que a legislação do divórcio (Dt 24) e a tradição dela decorrente são igualmente sentenciados como não correspondentes à vontade de Deus”. Em outras palavras, “Jesus coloca o seu conhecimento e a sua interpretação da vontade de Deus em contraposição à compreensão dessa vontade, representada pela tradição farisaica que se baseava nas Escrituras Sagradas” e, em “procedendo assim, Jesus contradiz mais de uma vez aos textos das próprias Sagradas Escrituras”.25 Aqui, é importante lembrar como o próprio Cristo fez questão de dizer, em mais um episódio envolvendo a controvérsia do sábado, que Davi transgrediu tal lei e os próprios sacerdotes também a violavam, pois o que estava em jogo era a “vida” e esta, como será visto no capítulo 7, é mais valiosa que as regras. Ao final da primeira controvérsia, Jesus acrescentou que Ele era “maior que o templo” e que o “Filho do Homem até do sábado é Senhor” (Mt 12.1-8). Portanto, como Deus, Ele tem todo o direito de desdizer o que havia sido prescrito em uma determinada época e cuja finalidade já tinha cumprido seu tempo.

Quarta Antítese
Nos versículos 33 a 37, há mais uma revogação. Enquanto a Lei não apenas permitia, mas em alguns casos até exigia a necessidade do juramento (Nm 5.19), Jesus contraria terminantemente tal raciocínio. É bem verdade que, conforme o nono mandamento deixa implícito, havia juramentos ou promessas e ainda votos que não poderíam ser revogados sem que isso deixasse de causar prejuízos à pessoa (Êx 20.16; Lv 19.12; Dt 23.21-23; SI 50.14). Uma vez que no “mundo judaico”, diz Barbaglio, “se fazia muito uso do juramento, [ainda que] preocupava-se de evitar o nome de Deus”, os judeus lançavam mão de um recurso adotando “fórmulas substitutivas”,  isto é,
Jurava-se chamando como testemunho o céu, ou a terra, ou Jerusalém. Prestava-se juramento até sobre a própria cabeça.
Grupos judeu-cristãos, apegados aos usos e costumes do ambiente do qual provinham, aplicaram as palavras de Jesus a este problema: qual forma de juramento é lícito adotar?
Assim, [a resposta encontra-se no] texto dos w. 34b-37, no qual é abolida toda forma que, direta ou indiretamente, chame Deus sem causa. Mas admite-se o recurso à fórmula mais simples de juramento, que consiste no repetir a afirmação ou a negação: Sim sim e não não.
Em síntese, na “nova justiça”, na justiça do Reino, o que deve valer é a palavra pura e simples do discípulo, tal como explicita o Salmo 15. Nada mais deve ser requerido da parte de pessoas cujas ações correspondem às intenções e vice-versa.

Quinta Antítese
O texto dos versículos 38 a 42 referem-se a conhecidíssima “Lei do Talião” que possui paralelo na Lei Mosaica (Êx 22.23-25; Lv 24.20; Dt 19.21). Enquanto a convivência em sociedade impunha leis rigorosas que, sabe-se claramente, não se aplicavam de forma igualitária a todos, pois se tal ocorresse não haveria necessidade de outras leis, logo na sequência, para punir os legisladores que privilegiassem o infrator poderoso em detrimento da vítima pobre (Êx 23.6-9). Esta é mais uma que Jesus revoga. E o faz porque sabe que uma lei como esta, dada no passado, com o intuito de coibir a violência, acabou (como quase tudo o que o ser humano arbitra), completamente deturpada e uma desculpa para a vingança. A exceção casuística foi transformada em regra ordinária, gerando uma “violência divinamente autorizada”. Este é o raciocínio de Karl Hermann Schelkle, a respeito dessa antítese, em particular:
Jesus acusa a casuística de torcer a lei no próprio interesse, transformando-a em puro legalismo. Ele previne contra este abuso e exige cumprimento do mandamento em todo o seu sentido.
Assim, na norma jurídica da pena equivalente; olho por olho, dente por dente (Mt 5,38-41). Originariamente, esta lei foi dada
para pôr um freio à desmedida vingança do homem. A casuística, porém, fez dela um direito à vingança, Jesus exige novamente o sentido da lei, que pede justiça e, além disso, benignidade e ânimo conciliador: “Não resistais ao mau! Se alguém te ferir na face direita, oferece-lhe também a outra!” (Mt 5,39).
Sobre esta perícope, Joachim Jeremias informa que no tempo de Jesus, tal lei, apesar de não estar mais em vigor da forma estritamente expedida no Pentateuco, ainda assim “constituía o fundamento de todo o direito civil”, ou seja, “era usada para estabelecer o princípio de que o grau de punição devia corresponder à gravidade do delito”. Cristo, continua o mesmo autor, “ao contrário, diz aos seus discípulos: no tocante à vossa proteção legal através da lei civil, eu vos proibo de apresentar queixa quando se vos ofende”. J. Jeremias explica que Jesus “escolheu como exemplo uma ofensa particularmente grave, pois a bofetada na face direita, a bofetada com o dorso da mão, é ainda hoje no Oriente a mais humilhante”. Numa palavra:
Jesus, porém, — e isto é muito importante para entender que este assunto não está falando de uma ofensa qualquer: a bofetada humilhante situa-se numa ocasião bem determinada: atinge o discípulo por ser tido como herege.
Isso não é dito expressamente, mas se deduz de um fato constante: sempre que Jesus fala de ofensa, de perseguição, de maldição ou de desonra para os seus, trata-se de um desprezo que eles recebem devido à sua condição de discípulos. Se te desonram chamando-te de herege — diz Jesus — não busques a proteção da lei; ao contrário, sendo capaz de sofrer o ódio e o ultraje, de vencer o mal, de perdoar a injustiça, tu te mostrarás verdadeiro discípulo meu. Aqui, de novo, é mister que alguma coisa tenha precedido: a pessoa se pôs a seguir a Jesus, confessou publicamente sua adesão a ele e é isto que provoca o ódio fanático.
Os demais exemplos concretos dados por Jesus — capa, milha e empréstimo — referem-se a direitos e pontos discutidos pelos
escribas, pois, conforme disse Bornkamm, eles atuavam também como juristas. O fato é que os discípulos precisam ter disposição para agir de acordo com uma justiça diferente da que os homens estabeleceram. Que desafio e contraste com os nossos dias quando parece que, ao menor sinal de algo que possa trazer algum sacrifício de nossa parte para viver a fé, gera-se protestos e outras ações para pressionar o governo a fim de que haja uma atmosfera favorável à fé!

Sexta Antítese
A sexta e última das antíteses refere-se ao texto de Levítico 19.18 com o acréscimo da tradição dos anciãos, ou seja, proveniente do exercício teológico dos escribas e encontrada “nos textos de Qumran, de ódio aos inimigos”. Ela não revoga o que lá se diz, mas amplia, considerável e substancialmente, o mandamento de amor ao próximo, posto que inclui o inimigo. O filósofo alemão Arthur Schopenhauer afirmou que, apesar de a caridade existir como ideal de virtude em praticamente todos os tempos, ela “foi trazida à baila teoricamente e estabelecida como a maior de todas, estendendo-se mesmo aos inimigos, em primeiro lugar pelo cristianismo, cujo maior mérito consiste nisto”.32 Portanto, devido ao desprezo generalizado que havia por parte dos judeus, e não apenas dos escribas, em relação aos publicanos, é que Jesus vai dizer que amar apenas os amigos e os que os cumprimentavam, tornavam eles iguais aos seus irmãos que trabalhavam cobrando impostos para o Estado. A exigência da “nova justiça” era que o comportamento deles fosse imparcial, tal como o de Deus, que faz com que a chuva e o sol, recursos naturais básicos e necessários à sobrevivência humana, sejam distribuídos de forma igualitária a justos e injustos. Como mais tarde será revelado (Jo 13.34), o tipo de amor requerido por Jesus, na perspectiva do Reino, é o mesmo que Ele teve por seus discípulos e vai muito além de amar o semelhante, sobretudo quando este geralmente se parece consigo e pensa exatamente igual a mim.

Perfeição Divina

Com essa exposição, fica claro que a intenção de Jesus não é abolir a Lei, dizer que não há regras, mas justamente o contrário, pois “Ele mostra que o cumprimento tem de exceder a simples letra da lei e que o cumprimento tem de partir do coração”.34 Quanto às situações, foram escolhidas propositalmente por serem as mais corriqueiras e cuja dependência social das respostas era muito grande, daí o domínio exercido pelos escribas sobre as pessoas. No último versículo (48) aparece uma vez mais a expressão teleios e, nesse contexto, conforme Werner Georg Kümmel, “Não pretende designar uma perfeição moral que gradativamente pudesse ser conquistada pelo homem, mas a pureza semelhante à de um animal a ser sacrificado”.35 Como se pode facilmente depreender da conexão desse texto com o versículo 45, o que demonstra que os seres humanos são filhos de Deus, é justamente o fato de estes comportarem-se como o Pai celestial. Portanto, não se exige que os falíveis, mutáveis e fracos seres humanos sejam como Deus no sentido mais impossível da expressão, mas que se identifiquem com sua expressão humana — Jesus Cristo.

EXTRAÍDO DO LIVRO  O SERMÃO DO MONTE
A JUSTIÇA SOB A ÓTICA DE JESUS.
CESAR MOISÉS CARVALHO.