O Verbo: Natureza Essencial e Relações, João 1.1-5

As palavras de abertura, No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus (1), lembram ao leitor a passagem de Gênesis 1.1. Não há maneira mais apropriada de iniciar o relato do maior acontecimento da história. Foi aqui que a religião hebraica começou — “No princípio Deus...” (cf. 1 Jo 1.1). Assim como Deus é eterno, o Verbo também o é. Ele é “o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim” (Ap 1.8). Os verbos ser e estar, usados neste primeiro versículo, descrevem uma ação contínua, sem levar em consideração o princípio ou o fim. Como diz Westcott, “O tempo verbal imperfeito do original sugere nesta relação, até onde a linguagem humana pode ir, a noção de uma existência supratemporal absoluta”.2
O Verbo eterno é descrito como com Deus. A preposição com perde um pouco da força da palavra original, que indica “movimento voltado para” ou “face a face”. Assim, o Verbo está em um relacionamento mais íntimo com Deus.
A última oração, e o Verbo era Deus, levanta a questão: Qual é a natureza essencial do Verbo? Tem havido muitas tentativas de identificar o Verbo com a razão universal dos estóicos, ou com o uso de Platão da “palavra”, ou até mesmo com o conceito hebraico, às vezes personalizado, de sabedoria. No entanto, todas mostram-se insuficientes em relação ao uso que João faz do termo. Quando João escreveu E o Verbo era Deus, queria que o leitor entendesse que a natureza essencial do Verbo é a Divindade, Deus falando ao homem. E uma descrição da “auto-revelação de Deus”.3 Além disso, no grego, o artigo definido não é usado com a palavra Deus (theos). A omissão do artigo definido enfatiza o tipo ou a qualidade. Assim, a natureza essencial do Verbo é descrita. O retrato que João faz do Verbo, como eterno e como Deus, deve servir para responder àqueles que insistem na idéia de que o Verbo foi apenas uma criatura primogênita divina!
O versículo 2 reitera enfaticamente a eternidade do Verbo. Quando traduzido literalmente, lê-se: “Este (o Verbo) estava no princípio face a face com Deus”.
Quatro relações do Verbo são descritas em 1.3-5.
1. Com o Mundo
Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez (3; cf. SI 33.6,9; Cl 1.15-17; Hb 1.2). Aúltima oração, que é enfática, foi acrescentada para se guardar contra as falsas doutrinas do século I “que atribuíam a origem de certas existências a criadores inferiores, ou consideravam a matéria como auto-existente”.4
2. Com a Vida e a Luz
Nele, estava a vida e a vida era a luz dos homens (4). Aqui, o Verbo é visto como a Fonte da vida. A vida biológica vem dele, com certeza, mas há mais. Regularmente usada neste Evangelho, a palavra vida (zoe, 36 vezes; nunca bios, vida biológica) se refere à vida “do alto” (3.3), à “vida eterna” (3.15-16; 20:31), à vida abundante (10.10). Como Ele é a Fonte de toda a vida, também é Ele a Fonte de toda a luz. A primeira criação do Verbo divino foi a luz (Gn 1.3). Da mesma forma, o salmista fala da vida e da luz juntas: “porque em ti está o manancial da vida; na tua luz veremos a luz” (SI 36.9). O Verbo encarnado descreve a si mesmo como “a luz do mundo” (Jo 8.12). A luz e a vida estão na ofensiva. A morte está destinada à derrota (11.26); as trevas do túmulo são dispersadas pela luz penetrante e resplandecente.
3. Com o Homem
E a vida era a luz dos homens (4). O Verbo é a Revelação pessoal de Deus aos homens. E pessoal porque procede de Deus e é direcionada aos homens. O Verbo é “a luz verdadeira, que alumia a todo homem que vem ao mundo” (1.9).
4. Com as Trevas

E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam (5). O Verbo eterno, em figuras de luz e vida, veio aos homens que estão em trevas e morte. Por todo o quarto Evangelho, estão os retratos da conseqüente luta entre a Luz e as trevas, geralmente coroados de vitória pela Luz, mas às vezes não. Jesus deu vista (luz) a um homem cego de nascença (cap. 9). Ele trouxe Lázaro do túmulo, da morte e das trevas (cap. 11). Mas um que estava próximo a Ele, Judas Iscariotes, entrou na noite de trevas eternas (13.30). A palavra traduzida como compreenderam, significando “entender”, também significa “vencer”. Embora João pudesse ter em mente ambos os significados, o segundo, juntamente com o tempo aoristo6 do verbo, é a promessa da vitória definitiva e final para a luz, e para tudo aquilo que ela representa.